Uiá!!

"Nascidos, nós choramos por chegar a esse palco de tolos". Shakespeare, Rei Lear.

Nome:
Local: Londrina, Paraná, Brazil

29.1.07

Nossa abjeta atualidade

Passados dias silentes no marasmo da alcova; transpostas noites ermas na sofregidão do luar; galgados os dias sorvidos com a lentidão do florescer; procurados os sentidos mais nobres, oníricos e ídilicos, ele senta resignado à própria dor e sorte de não ter porquê sofrer, chorar e se lamuriar.
As conversas com conhecidos e amigos tornam-se, por mais duradouras que sejam, efêmeras aos seus olhos; o trabalho, rotineiro e promissor de sempre, parece um moinho d'água: girando, lembra o andar, embora sempre parado.
A lembrança de dias mais turbados, abalados pelo constante medo da ditadura; pela ameaça da batalha comunismo x capitalismo; da 2ª Guerra Mundial; da 1ª Guerra Mundial; a vida díficil, sem eletricidade, sem água potável encontrada em cada esquina, sem comida comprada por pouco dinheiro, sem segurança, sem lazer, sem tempo, sem família, com amores rápidos e triviais, sem amor verdadeiro, sem tudo; os dias nos quais o terrorismo e a guerra contra um suposto "eixo do mal" começaram a se forjar e a vitória subseqüente do "eixo do bem"; a falta de petróleo facilmente debelada por outras fontes de energia criadas pelo próprio homem, sem ferir a mãe natureza.
As longas jornadas de trabalho extintas; a real consecução do estado do bem estar social, com horas longas para descanso, lazer, família, viagens e qualquer coisa mais que se pudesse fazer nesse período.
O casamento perfeito; uma mulher linda para chamar de sua; filhos saudáveis, com suas rebeldias infantis, não rodeados, contudo, pelos perigos da violência, das drogas e armas.
Amigos felizes, bonitos, casados, com seus próprios filhos; uma casa comprada e construída com todos os cuidados para abrigar a prole e a cônjuge; um belo carro na garagem e tudo mais que o homem do século XX-XXI sonhava nos seus mais utópicos e inconscientes devaneios de um futuro perfeito, enfim atingidos.
E, no entanto, ele não para de pensar que seus antepassados tinham, ao revés dele próprio, todo o direito e chance de sentirem-se macerados pelo peso do viver e eram alegres e felizes, apesar de todas as adversidades.
Sentado na beira da cama, vendo sua mulher suspirar em sonho; lembrando de seus filhos bonitos, saudáveis e felizes, do trabalho bem remunerado, das horas de descanso e do passado adverso; ele não entende como e porquê deseja com tanta volúpia poder experimentar a dor e a pressão dos anos de seus pais, avós, bisavós e tataravós.
Ele pensa e não consegue descobrir porquê o infortúnio lhe fascina tanto e lhe dá tamanha impressão de que seria mais feliz sob o jugo da desdita.
Sentado de soslaio ao pé da cama, subjugado pela tranquilidade do hodierno, ele se emurchece ainda mais com a visão de um futuro cada vez mais tranquilo, se é que isso é possível e adormece, pensando e bradando em pensamentos o quão melhor era a sociedade do passado, onde seus habitantes podiam legitimar sua dor e torpor e mesmo assim não o faziam.

Gabríel Gárcia certa vez disse que nas adversidades se forjam com mais força os melhores amores; talvez das desventuras brote também com mais propriedade o espírito humano. Ou talvez essa seja somente uma impressão dos nossos tempos que legitima qualquer atitude que nos leve ao limite. As drogas e os esportes radicais se amontoam para vender ao cliente a melhor sensação de fuga, êxtase, medo, e morte possível.
As adversidades das quais rebentam as justificativas procuradas incidem tão somente sobre estigmas da carne, clamando que esta cicatriz física ou social legitimaria as depressões e choros; e que hoje, ou em um tempo futuro melhor, devido à falta de labéu corporal e social, as nossas angústias d'alma são desarrazoadas.
Sofrer no espírito, na alma e na consciência, são comportamentos e condições inerentes à alcunha de humano ao ser. E não são inquirições pretéritas ou futuras sobre eventos corpóreos que encontrarão a resposta para abrandar descalabros metafísicos.
E de resto, me resigno ao silêncio, por temer que esta meditação se pareça em demasia com texto de auto-ajuda.

Até mais ver sôfregos e disparatados leitores!

19.1.07

Tempo de Poesia; Parte 2

VERSOS ÍNTIMOS

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Augusto dos Anjos